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domingo, 24 de julho de 2016

Uma viagem entre Bragança e Abrantes, feita de Bicicleta. Parte 5


(crónica de Carlos Bernardo)

Dia 4 - 16/10/2014  Trancoso - Seia

 Acordei. Olhei para janela com algum medo. A chuva estava de folga hoje . O frio e vento continuavam, mas muito menos vento que no dia anterior. Estava cansado, o dia de ontem tinha sido terrível, acho que até mais para a cabeça que para o corpo. Senti-me um pouco triste por não ter aproveitado o dia, as localidades, as pessoas, devido ao terrível temporal que apanhei. Caso não tivesse um calendário a cumprir (tinha de chegar no meu dia de anos a casa), em dias como o de ontem, mais vale não tocar na bicicleta, ficar no local onde estava e partir no dia seguinte. Mas já tinha passado e ainda tinha muitos quilómetros para percorrer.

Despedi-me da boa gente de Trancoso e segui em direcção a Celorico da Beira, que ficava numa espécie de cova entre Trancoso e a Serra da Estrela. Portanto seria sempre a descer. Faço os primeiros quilómetros, estranho a ausência de indicações para Celorico, estranho também a paisagem e o facto de estar a subir . Decidi parar, algo não batia certo, confirmei o mapa, caminho errado. Mais 6 quilómetros para lá, mais 6 quilómetros para Trancoso, 12 quilómetros enganado. Curiosamente, nem pensei muito no erro, voltei tranquilo (podia bem ter sido um bicho de 7 cabeças, ainda bem que não foi). Encontrei o caminho certo, sempre a descer para Celorico, fiz 20km num abrir e fechar de olhos. Ontem tanto que me custou cada 2km.

A etapa de hoje ainda estava um pouco em aberto, uma vez chegado a Celorico, poderia seguir pelo lado da Guarda, poderia subir a Serra da Estrela (esta chegou a ser a hipótese mais forte, na preparação da viagem), ou seguir pelo lado de Seia. Pela Serra ficou logo excluído, estava demasiado frágil, para tamanha dificuldade e o mau tempo continuava na Serra. A hipótese de seguir pela Guarda, era a mais interessante em termos culturais, mas com um desnível acumulado considerável e como não estava bem, decidi pela hipótese mais plana, seguir em direcção Seia e contornar a Serra pelo lado do Mar. Hoje consigo, friamente, dizer que foi a melhor opção. As viagens solitárias, ou melhor, o seu sucesso depende muito de boas decisões no terreno, ter mais que um plano é fundamental, conhecer o teu corpo e os teus limites é decisivo.

Seguia pela encosta da Serra em direcção a Gouveia. Aqui para além da paisagem ser completamente diferente, onde notei maior diferença foi no movimento à minha volta. Passei praticamente 3 dias isolado na estrada, aqui havia muito mais gente, muito mais carros, muito mais acção. Por um lado, gosto do isolamento, sem barulho, só eu, as árvores e os pássaros, mas por outro lado já sentia falta de calor humano. Esta jornada apesar de umas inclinações, não tinha nada a ver com os dias anteriores, era tudo aquilo que as minhas pernas e o meu corpo todo precisavam.

No dia de hoje, a vinha também foi paisagem constante, estava na região demarcada do Dão. Não tem a beleza e o charme da vinhas do Douro, mas é sempre uma boa companhia . De um lado a vinha, do outro lado a imponente Serra da Estrela, não me podia queixar das vistas. Seguia a bom ritmo (não ia a abrir, mas seguir sem parar, é considerado bom ritmo).

Chego a Seia. Começa a chover. Timing perfeito, até soube bem. Percorro o Centro Histórico e encontro o meu alojamento, o Hotel Seia Camelo. Espaço confortável, com um restaurante ainda melhor. Comi uns medalhões de porco com uma açorda de farinheira, do melhor. Esta etapa saiu por encomenda. Deu para relaxar o corpo e a mente. Sentia-me mais perto de casa, mas apesar da dificuldade, já recordava com alguma saudade o Norte do Pais (marcou-me).

Carlos Bernardo

Nascido e criado em Abrantes, onde vive e nunca desejou ser de outro lugar. Apesar disso adora viajar. Mais do que uma foto de viagem, gosta de uma boa conversa. Criou o blog O Meu Escritório é lá Fora! em 2013. Foi nomeado para melhor Blog de Viagens Pessoal, no BTL Travel Blogger Awards, e considerado como um dos 10 melhores blogs de viagem nacionais.

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