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quarta-feira, 31 de dezembro de 2014

Treinador: que responsabilidade(s)?


(crónica de Nuno Gil)

Com esta crónica irei dar continuidade à reflexão sobre a figura do treinador. Depois de anteriormente ter escrito sobre “quem é o treinador” irei, agora, escrever sobre as responsabilidades do treinador.

O cargo de treinador e em especial o de treinador de jovens, é um cargo que tem grandes responsabilidades associadas ao mesmo. Responsabilidades essas, que de acordo com Adelino et al. (1999), são as seguintes: responsabilidades de natureza social, responsabilidades de natureza jurídica e que se encontram regulamentadas pela lei de bases do sistema desportivo português, na qual se destaca que a prática desportiva tem como objectivos base, a educação e formação dos jovens de forma a promover o seu desenvolvimento geral (físico, psicológico e social); a noção de responsabilidade e o espírito de solidariedade e de cooperação; a formação cívica e ética; e a saúde; responsabilidades face ao sistema desportivo, porque as características da formação e da preparação dos jovens influenciam a qualidade dos desportistas e, por consequência, a qualidade do próprio sistema desportivo. Assim, e de acordo com os mesmos autores, o treinador deve ter a consciência que toda a sua intervenção quer ao nível do treino, quer ao nível da competição deve servir para que haja mais e melhores praticantes; responsabilidade face aos praticantes, expressa pela necessidade do treinador dever estar consciente que a preparação desportiva dos jovens que ele dirige, deve respeitar as etapas de crescimento e maturação do jovem, isto é, deve respeitar o desenvolvimento biológico do jovem, evitando, situações que possam prejudicar o normal processo de desenvolvimento do jovem praticante. Adelino et al. (1999), referem ainda, que tendo em conta que os jovens aprendem a maior parte dos seus comportamentos, atitudes e valores principalmente por ação dos adultos e por todas as vivências que estes lhes proporcionam, o treinador tem responsabilidade acrescida na formação dos jovens, não só no campo desportivo como também no campo social e de cidadania.

No que respeita à aprendizagem dos comportamentos e atitudes por parte dos jovens, o treinador tem que ter especial atenção, pois ele é uma figura modelo para todos aqueles que consigo trabalham, desde dirigentes, pais, espectadores e, especialmente, os atletas. Para Barata (1999) citado por Pacheco (2001), o treinador deve ser um bom exemplo e um bom modelo para o jovem praticante desportivo, dado que os jovens se encontram na fase de formação da sua personalidade e de aquisição de valores e referências que serão fundamentais na sua vida futura.

Parece não existir dúvidas, que quem assume o cargo de treinador deveria estar consciente que este é um cargo de extrema responsabilidade, principalmente quando se treinam  jovens, em fase de desenvolvimento motor e de formação da personalidade e de aquisição de valores que o guiaram no seu futuro, não só como desportista, mas também e essencialmente como ser humano e cidadão.

Contudo, e infelizmente, ainda se vê muitos “treinadores” que não tem a noção do seu papel nesta formação integral do jovem, pensando que os jovens são meras peças de xadrez que estão ali à sua disposição e que ali estão apenas para serem grandes campeões na modalidade que escolheram ou que lhes foi imposta por alguém, tendo muitos desses “treinadores” uma intervenção ao longo dos treinos e da competição que em nada promove uma normal e saudável formação desportiva, pessoal, cognitiva, social e psicológica, intervenções estas, que muitas vezes ultrapassam todos os limites do civismo e da ética. Não sendo raro ver um treinador dirigir-se em termos menos próprios para os seus atletas, árbitros e mesmo adversários.

Também espelhando a má formação que infelizmente ainda se pratica, não é raro ver um treinador a dizer ao seu jovem atleta: “passa a bola, não passa o jogador”, ou elogiar um comportamento deste tipo para colegas do jovem que tem tal conduta. É ainda usual ver treinadores, por não saberem o que fazer, quando fazer e como fazer, colocarem em causa a integridade física dos seus atletas a curto e longo prazo, apenas e só por reproduzirem o treino dos adultos nas crianças.

Também muitas vezes é esquecido o papel de modelo para os jovens que os treinadores têm e por vezes dá-se-lhes exemplos de condutas, atitudes e valores que não devem ser modelo para ninguém. Também existe o caso de se dizer uma coisa e fazer outra e depois pedir-se aos jovens para “olhar para o que digo e não para o que faço”, estando assim a pedir-lhes uma coisa difícil que é ignorar um modelo de referência que ele tem.

Termino, justificando as minhas crónicas com a necessidade de agitar consciências, pois existem duas alternativas: deixar como está ou mudar para melhor e infelizmente por falta de reflexão conjunta e procura de melhoria, parece-me que muitas vezes está a seguir-se o caminho mais fácil, o do deixar andar.

Votos de um bom ano de 2015. Saudações desportivas e até à próxima crónica.

Nota final -  o autor da crónica disponibiliza a literatura referenciada a quem o solicitar.

Nuno Gil
Licenciado em ciências do desporto, pela FCDEF-UC
Mestre em treino do jovem atleta, pela FMH-UTL
Doutorando em ciências do desporto, na FCDEF-UC
Professor de educação física, na escola secundária Dr. Manuel Fernandes
Ex-treinador desportivo

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